quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Genética e Esclerose Lateral Amiotrófica

VIII SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DNM/ELA 
19 Rev Neurocienc 2009; 17(suplemento):19-23. 
Genética e Esclerose Lateral Amiotrófica 
Miguel Mitne-Neto 
Centro de Estudos do Genoma Humano, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo (USP) 

Descrita pela primeira vez em 1869, por Jean-Martin Charcot, a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é causada pela morte seletiva dos neurônios motores superiores e inferiores, tendo suas causas moleculares ainda obscuras. Até o momento, trata-se de uma doença incurável e sem marcadores biológicos que possam defini-la. O seu diagnóstico é feito a partir dos achados clínicos e auxiliado pela eletroneuromiografia. Em 90% dos casos a ELA ocorre de forma esporádica e nos demais 10% ela é herdada, isto é, a doença é transmitida de uma geração para outra. Nesses casos podem ser identificados padrões de herança autossômica dominante ou recessiva. 

Os estudos genéticos tentam identificar sequências de DNA compartilhadas entre os pacientes e que ao mesmo tempo sejam diferentes dos indivíduos normais da população. Os genes identificados nesses estudos representam possíveis alvos para frentes terapêuticas, tanto nos casos esporádicos quanto nos familiais. Treze regiões do genoma humano foram relacionadas a casos familiais de ELA (ou do Inglês ALS), denominadas: ALS1 a ALS10, duas formas com apresentação de Demência Frontotemporal (ALS-FTD e ALS-FTD2) e uma forma juvenil recentemente descrita (Beleza-Meireles e col. 2009). Entretanto, apenas sete genes causadores da doença foram identificados, alguns deles discutidos a seguir: 

ALS1: causada por mutações no gene SOD1, que codifica a enzima Superóxido Dismutase, foi a primeira forma de ELA familial identificada (Rosen e col. 1993). Essa enzima é responsável pelo metabolismo do íon superóxido (O2 - ), um dos radicais livres mais reativos. Mais de cem mutações nesse gene foram identificadas, levando a um ganho de propriedades tóxicas da proteína mutante. 

O SOD1 é o gene envolvido com a ELA mais estudado até o momento. Isto ocorre não apenas pelo grande número de pacientes identificados (cerca de 20% dos casos familiais apresentam mutação no SOD1), mas também por terem sido gerados modelos animais que superexpressam a SOD1 humana mutante. Esses modelos transgênicos apresentam sintomas clínicos e progressão muito semelhantes à doença encontrada em humanos. Os modelos animais de SOD1 têm sido extensivamente utilizados em ensaios que buscam tanto entender a doença quanto testar possíveis tratamentos para a mesma. 

ALS2: mutações no gene ALS2, que produz a Alsina, levam a uma forma de ELA com padrão de herança autossômico recessivo (Yang e col. 2001). A Alsina interage com algumas GTPases envolvidas com a formação de componentes intracelulares, denominados endossomos. Camundongos desenvolvidos para não produzirem Alsina apresentaram apenas degeneração dos neurônios motores superiores (Otomo e col. 2003). 

ALS4: Senataxina é a proteína codificada pelo gene SETX. Quando mutado leva a um quadro de ELA juvenil com padrão de herança autossômico dominante. A proteína contém um domínio de DNA/RNA helicase e grande homologia com outras proteínas humanas relacionadas com o processamento de RNA. Alterações nas vias de maturação do RNA levariam à degeneração neuronal (Chen e col. 2004). 

ALS6: o gene responsável por esta forma, FUS/TLS, foi recentemente identificado em 8 de 197 famílias estudadas. Ele produz uma proteína, FUS, que estaria envolvida na transcrição e splicing de RNA. A FUS possui homologia com outra proteína também envolvida com ELA, denominada TDP-43, sugerindo um mecanismo comum patológico comum entre elas (Vance e col. 2009). 

ALS8: identificada inicialmente em sete famílias brasileiras com ascendência portuguesa, que apresentavam três formas clínicas distintas: uma forma típica de ELA, uma forma atípica de ELA com progressão lenta e uma forma tardia de Atrofia Espinhal Progressiva (AEP). Todas elas são causadas pela mesma mutação no gene VAPB, que leva à troca de uma Prolina por uma Serina na posição 56 (P56S) da proteína de mesmo nome (Nishimura e col. 2004). Essa proteína está envolvida com diversos processos celulares, entre eles: interação com proteínas do citoesqueleto (Mitne-Neto e col. 2007); ativação de mecanismos de resposta a proteínas mal-formadas (Unfolded Protein Response UPR) (Kanekura e col. 2006); sinalização de receptores de Efrina através da secreção de sua porção N-terminal (Tsuda e col. 2008). 

ALS9: esta forma é causada por mutações no gene ANG, que codifica para a Angiogenina. Foram identificados tanto casos familiais quanto esporádicos com mutação nesse gene (Greenway e col. 2006). Esta proteína está envolvida com a angiogênese e possui grande expressão em neurônios motores. Alterações nesse gene impedem que a proteína por ele gerada seja capaz de realizar sua atividade (Wu e col. 2007). 

ALS10: mutações no gene TARDBP foram identificadas tanto em casos familiais quanto esporádicos. Ele produz a TDP-43, uma proteína que quando alterada causa apoptose das células neuronais e retardo no desenvolvimento de embriões de galinha (Sreedharan e col. 2008). 

A Genômica não se limita a buscar respostas apenas nos casos familiais. Estudos têm identificado a presença de mutações em alguns genes como SOD1, NEFH, ANG, VEGF e TARDBP em pacientes com ELA esporádica (Beleza-Meireles e col. 2009). Esse achado sugere que os genes citados seriam fatores de predisposição a ELA, isto é, quando o indivíduo apresenta alguma alteração em algum deles a chance de desenvolver ELA seria maior. Na busca por fatores de predisposição, Landers e colaboradores (2009) estudaram mais de 2000 pacientes com ELA esporádica e identificaram uma variante genética que diminui a expressão do gene KIFAP3, que no lugar de predispor estaria relacionada a um aumento na sobrevida dos pacientes (Landers e col. 2009). Trabalhos com essa abordagem ainda precisam de muitas confirmações e análises consistentes, pois os resultados identificados num grupo de pacientes de certa região do globo podem não servir para outras populações. 

As informações colocadas acima suportam a idéia de que o componente genético tem papel importante na clínica da ELA. Entretanto, ele não pode ser analisado isoladamente. Existem variações no quadro clínico, na idade de início e na progressão da doença, que não podem ser explicadas apenas pela genética e que sofrem grande efeito do ambiente. A avaliação dos genes envolvidos com a ELA permite elucidar vias moleculares responsáveis pela doença e abrir novos caminhos para o tratamento. 

Referências 
1.Beleza-Meireles A, Al-Chalabi A. Genetic studies of amyotrophic lateral sclerosis: controversies and perspectives. Amyotroph Lateral Scler 2009;10:1-14. 
2.Chen YZ, Bennett CL, Huynh HM, Blair IP, Puls I, Irobi J, et al. DNA/RNA helicase gene mutations in a form of juvenile amyotrophic lateral sclerosis (ALS4). Am J Hum Genet 2004;74: 1128-35. 
3.Greenway MJ, Andersen PM, Russ C, Ennis S, Cashman S, Donaghy C, et al. ANG mutations segregate with familial and 'sporadic' amyotrophic lateral sclerosis. Nat Genet 2006;38:411-3. 4.Hentati A, Bejaoui K, Pericak-Vance MA, Hentati F, Speer MC, Hung WY, et al. Linkage of recessive familial amyotrophic lateral sclerosis to chromosome 2q33-q35. Nat Genet 1994;7:425-8. VIII SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DNM/ELA 23 Rev Neurocienc 2009; 17(suplemento):19-23. 
5.Landers JE, Melki J, Meininger V, Glass JD, van den Berg LH, van Es MA, et al. The gene encoding alsin, a protein with three guanine-nucleotide exchange factor domains, is mutated in a form of recessive amyotrophic lateral sclerosis. Nature Genet 2001;29:160-5. 
6.Mitne-Neto M, Ramos CR, Pimenta DC, Luz JS, Nishimura AL, Gonzales FA, et al. A mutation in human VAP-B--MSP domain, present in ALS patients, affects the interaction with other cellular proteins. Protein Expr Purif 2007;55:139-46. 
7.Nishimura AL, Mitne-Neto M, Silva HC, Richieri-Costa A, Middleton S, Cascio D, et al. A mutation in the vesicle-trafficking protein VAPB causes late-onset spinal muscular atrophy and amyotrophic lateral sclerosis. Am J Hum Genet 2004;75:822-31. 8.Ophoff RA, Cronin S, Hardiman O, Diekstra FP, Leigh PN, Shaw CE, et al. Reduced expression of the Kinesin-Associated Protein 3 (KIFAP3) gene increases survival in sporadic amyotrophic lateral sclerosis. Proc Natl Acad Sci U S A 2009, in press. 
9.Otomo A, Hadano S, Okada T, Mizumura H, Kunita R, Nishijima H, et al. ALS2, a novel guanine nucleotide exchange factor for the small GTPase Rab5, is implicated in endosomal dynamics. Hum Mol Genet 2003;12:1671-87. 
10.Rosen DR, Siddique T, Patterson D, Figlewicz DA, Sapp P, Hentati A, et al. Mutations in Cu/Zn superoxide dismutase gene are associated with familial amyotrophic lateral sclerosis. Nature 1993;362:59-62. 
11.Sreedharan J, Blair IP, Tripathi VB, Hu X, Vance C, Rogelj B, et al. TDP-43 mutations in familial and sporadic amyotrophic lateral sclerosis. Science 2008;319:1668-72. 
12.Tsuda H, Han SM, Yang Y, Tong C, Lin YQ, Mohan K, et al. The amyotrophic lateral sclerosis 8 protein VAPB is cleaved, secreted, and acts as a ligand for Eph receptors. Cell 2008;133:963-77.
13.Vance C, Rogelj B, Hortobágyi T, De Vos KJ, Nishimura AL, Sreedharan J, et al. Mutations in FUS, an RNA processing protein, cause familial amyotrophic lateral sclerosis type 6. Science 2009;323:1208-11. 
14.Wu D, Yu W, Kishikawa H, Folkerth RD, Iafrate AJ, Shen Y, et al. Angiogenin loss-offunction mutations in amyotrophic lateral sclerosis. Ann Neurol 2007;62:609-17. 

FONTE: Rev Neurocienc 2009; 17(suplemento):19-23.