VIII SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DNM/ELA
19 Rev Neurocienc 2009; 17(suplemento):19-23.
Genética e Esclerose Lateral Amiotrófica
Miguel Mitne-Neto
Centro de Estudos do Genoma Humano, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo
(USP)
Descrita pela primeira vez em 1869, por Jean-Martin Charcot, a Esclerose Lateral
Amiotrófica (ELA) é causada pela morte seletiva dos neurônios motores superiores e inferiores,
tendo suas causas moleculares ainda obscuras. Até o momento, trata-se de uma doença incurável
e sem marcadores biológicos que possam defini-la. O seu diagnóstico é feito a partir dos achados
clínicos e auxiliado pela eletroneuromiografia. Em 90% dos casos a ELA ocorre de forma
esporádica e nos demais 10% ela é herdada, isto é, a doença é transmitida de uma geração para
outra. Nesses casos podem ser identificados padrões de herança autossômica dominante ou
recessiva.
Os estudos genéticos tentam identificar sequências de DNA compartilhadas entre os
pacientes e que ao mesmo tempo sejam diferentes dos indivíduos normais da população. Os
genes identificados nesses estudos representam possíveis alvos para frentes terapêuticas, tanto
nos casos esporádicos quanto nos familiais. Treze regiões do genoma humano foram
relacionadas a casos familiais de ELA (ou do Inglês ALS), denominadas: ALS1 a ALS10, duas
formas com apresentação de Demência Frontotemporal (ALS-FTD e ALS-FTD2) e uma forma
juvenil recentemente descrita (Beleza-Meireles e col. 2009). Entretanto, apenas sete genes
causadores da doença foram identificados, alguns deles discutidos a seguir:
ALS1: causada por mutações no gene SOD1, que codifica a enzima Superóxido
Dismutase, foi a primeira forma de ELA familial identificada (Rosen e col. 1993). Essa enzima é
responsável pelo metabolismo do íon superóxido (O2
-
), um dos radicais livres mais reativos. Mais de cem mutações nesse gene foram identificadas, levando a um ganho de propriedades
tóxicas da proteína mutante.
O SOD1 é o gene envolvido com a ELA mais estudado até o momento. Isto ocorre não
apenas pelo grande número de pacientes identificados (cerca de 20% dos casos familiais
apresentam mutação no SOD1), mas também por terem sido gerados modelos animais que
superexpressam a SOD1 humana mutante. Esses modelos transgênicos apresentam sintomas
clínicos e progressão muito semelhantes à doença encontrada em humanos.
Os modelos animais de SOD1 têm sido extensivamente utilizados em ensaios que buscam
tanto entender a doença quanto testar possíveis tratamentos para a mesma.
ALS2: mutações no gene ALS2, que produz a Alsina, levam a uma forma de ELA com
padrão de herança autossômico recessivo (Yang e col. 2001). A Alsina interage com algumas
GTPases envolvidas com a formação de componentes intracelulares, denominados endossomos.
Camundongos desenvolvidos para não produzirem Alsina apresentaram apenas degeneração dos
neurônios motores superiores (Otomo e col. 2003).
ALS4: Senataxina é a proteína codificada pelo gene SETX. Quando mutado leva a um
quadro de ELA juvenil com padrão de herança autossômico dominante. A proteína contém um
domínio de DNA/RNA helicase e grande homologia com outras proteínas humanas relacionadas
com o processamento de RNA. Alterações nas vias de maturação do RNA levariam à
degeneração neuronal (Chen e col. 2004).
ALS6: o gene responsável por esta forma, FUS/TLS, foi recentemente identificado em 8
de 197 famílias estudadas. Ele produz uma proteína, FUS, que estaria envolvida na transcrição e
splicing de RNA. A FUS possui homologia com outra proteína também envolvida com ELA, denominada TDP-43, sugerindo um mecanismo comum patológico comum entre elas (Vance e
col. 2009).
ALS8: identificada inicialmente em sete famílias brasileiras com ascendência portuguesa,
que apresentavam três formas clínicas distintas: uma forma típica de ELA, uma forma atípica de
ELA com progressão lenta e uma forma tardia de Atrofia Espinhal Progressiva (AEP). Todas
elas são causadas pela mesma mutação no gene VAPB, que leva à troca de uma Prolina por uma
Serina na posição 56 (P56S) da proteína de mesmo nome (Nishimura e col. 2004).
Essa proteína está envolvida com diversos processos celulares, entre eles: interação com
proteínas do citoesqueleto (Mitne-Neto e col. 2007); ativação de mecanismos de resposta a
proteínas mal-formadas (Unfolded Protein Response UPR) (Kanekura e col. 2006); sinalização
de receptores de Efrina através da secreção de sua porção N-terminal (Tsuda e col. 2008).
ALS9: esta forma é causada por mutações no gene ANG, que codifica para a
Angiogenina. Foram identificados tanto casos familiais quanto esporádicos com mutação nesse
gene (Greenway e col. 2006). Esta proteína está envolvida com a angiogênese e possui grande
expressão em neurônios motores. Alterações nesse gene impedem que a proteína por ele gerada
seja capaz de realizar sua atividade (Wu e col. 2007).
ALS10: mutações no gene TARDBP foram identificadas tanto em casos familiais quanto
esporádicos. Ele produz a TDP-43, uma proteína que quando alterada causa apoptose das células
neuronais e retardo no desenvolvimento de embriões de galinha (Sreedharan e col. 2008).
A Genômica não se limita a buscar respostas apenas nos casos familiais. Estudos têm
identificado a presença de mutações em alguns genes como SOD1, NEFH, ANG, VEGF e
TARDBP em pacientes com ELA esporádica (Beleza-Meireles e col. 2009). Esse achado sugere
que os genes citados seriam fatores de predisposição a ELA, isto é, quando o indivíduo apresenta alguma alteração em algum deles a chance de desenvolver ELA seria maior. Na busca por fatores
de predisposição, Landers e colaboradores (2009) estudaram mais de 2000 pacientes com ELA
esporádica e identificaram uma variante genética que diminui a expressão do gene KIFAP3, que
no lugar de predispor estaria relacionada a um aumento na sobrevida dos pacientes (Landers e
col. 2009). Trabalhos com essa abordagem ainda precisam de muitas confirmações e análises
consistentes, pois os resultados identificados num grupo de pacientes de certa região do globo
podem não servir para outras populações.
As informações colocadas acima suportam a idéia de que o componente genético tem
papel importante na clínica da ELA. Entretanto, ele não pode ser analisado isoladamente.
Existem variações no quadro clínico, na idade de início e na progressão da doença, que não
podem ser explicadas apenas pela genética e que sofrem grande efeito do ambiente. A avaliação
dos genes envolvidos com a ELA permite elucidar vias moleculares responsáveis pela doença e
abrir novos caminhos para o tratamento.
Referências
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FONTE: Rev Neurocienc 2009; 17(suplemento):19-23.